terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

RELIGIOSIDADE e ESOTERISMO

A queda da religiosidade entre os indivíduos ao menos medianamente instruídos tem sido observada em todas as culturas. É cada vez mais comum que a composição dos profitentes dessa ou daquela fé tenha preponderância de pessoas de crítica menos apurada, com menor cabedal de conhecimentos, ainda que não se tenha aqui uma regra absoluta.

Mas não se trata de elitismo. Simplesmente não se aventa da aceitação de preceitos religiosos por quem neles vê alguns ou muitos conceitos que atentem contra seus conhecimentos.

Não por outra razão há quem defenda a necessidade de manutenção do ensino dos Mistérios Menores aos que deles possa conhecer. Os Mistérios Maiores desde sempre ficaram e ficarão restritos a uns poucos.

Paralelamente ao descrédito dos conceitos religiosos apenas superficialmente considerados, cresceu também um autêntico preconceito contra as doutrinas iniciáticas, não importa a origem. Ou são consideradas corporações de pessoas mal intencionadas, ou são tidas à conta de agrupamentos de pervertidos, interessados em cultos satânicos ou sexualmente degenerados. Isso quando não são considerados grupos de incautos, ingênuos, ou esquizofrênicos paranoides.

Algumas correntes menos aprofundadas contribuíram para essa visão distorcida, é bom reconhecer.

Pululam indivíduos desejosos de pertencer a algum tipo de grupo especial, sob rituais que lhe pareçam interessantes, até mesmo por uma indumentária exótica. Há os que se reúnem em florestas com caldeirões de ferro a fim de invocar espíritos da natureza e cozinhar elixires e outras beberagens. Se um dia tal procedimento esteve sob o conhecimento dos Mistérios que envolvem toda e qualquer busca espiritual, certamente não será reproduzindo uma mera e epidérmica encenação que as pessoas alcançarão o conhecimento esotérico que jaz sob determinados rituais bem menos cinematográficos.

Ainda outros pretendem, mesmo, estreitar vivência com a senda esquerda, desejosos de um poder que imaginam ilimitado por concessão de algum demônio serviçal. Grande perigo reside nisso, não por exposição a uma pretensa horda de monstros infernais, mas por sintonia e mútua simbiose com tantos quantos, pensando na mesma frequência, já não estão no plano físico. Tornam-se cegos guiando cegos, obsessores mutuamente imantados, com todos os prejuízos que advêm de tal desatino.

Bem por inconsequentes atitudes como essas, muitos mesmo hoje em dia, ecoando com postura antiga sob fundamento diverso, defendem que não se deve propiciar o estudo dos Mistérios a fim de evitar tais ou quais desatinos, mantendo as pessoas longe de assuntos que as exporiam a consequências ruins. Mas isso significa privar de luz quem tem bons olhos para vê-la. E pior. Como já mencionado, isso faz com que os preceitos religiosos fiquem tão superficiais para os que têm olhos de ver que o descrédito recai sobre a religião em si, tornando-a decadente.

O que dá sustentação a uma doutrina religiosa é a autoridade do conhecimento. A fé, a devoção, o transcendente, sem dúvida, compõem a religiosidade. Mas é a autoridade do conhecimento que faz com que aquela doutrina mantenha a sua finalidade universalista, mantendo sua esfera de atuação em todos os estamentos da sociedade. 

Se para muitos a expressão de ensinos imperativos basta e é o quanto assimilável, para não poucos somente a compreensão externada em aspectos mais ricos é indispensável. Mesmo nos meandros mais profundos, ainda outros tantos mantêm-se firmes em suas convicções por saberem presentes em sua fé aqueles em quem reconhece erudição. Esse último ponto é de extremo relevo. Conquanto não pareça, num primeiro momento, tão importante, na verdade é um traço característico de uma religião que se pretenda viçosa e perene a pirâmide de profitentes com os estamentos superiores, mais aculturados, que ostentam diante de todos a sua convicção na doutrina esposada.

Assim se estabelece aquela magia interessante. Mesmo os que não compreendem integralmente o que tais eruditos alcançam, sabem de sua legitimidade, sua confiabilidade, pelo que sentem-se seguros. Esses são os intermediários. Dotados o suficiente para o crédito de ensinos maiores mas ainda noviços na compreensão mais aprofundada. Fazem um vínculo salutar entre os mais simples e os eruditos. Mantêm todo o sistema equilibrado e em crescimento. No dinamismo do aperfeiçoamento de cada um, segue estamentos acima quem lavra para si maior esclarecimento, por estudo e meditação.

Quando se quebra esse grupo intermediário por ausência dos eruditos e os que ministram os ensinos mais elaborados, a base da pirâmide aumenta e termina desequilibrando o sistema. Há uma hipertrofia. 

Mas não é só.

O avanço de setores técnicos na vida humana trouxe um fenômeno curioso. Mesmo não se tendo aprimorado a oferta de efetiva formação às pessoas em geral, a quantidade de informações vem ficando cada vez maior.

Quando uma coletividade progressivamente maior tem acesso a informação desacompanhada da necessária formação, o nível de pseudoconhecimento aumenta, aumentam as dúvidas, e tudo parece uma autêntica miscelânea em que nada se alinhava a nada.

Então, mesmo dentre os mais simples, já que buscam informações na via facilitada da informatização, dedilhando palavras incompreendidas no “Google”, dúvidas terminam se acumulando. Como as informações facilitadas e abundantes não têm necessariamente o crivo da qualidade, cria-se uma imensa Torre de Babel dos tempos atuais.

Para cada fonte de informações de boa qualidade existente na rede mundial de computadores, receio haver centenas de águas turvas, sem contar os que simplesmente se regozijam por desacreditar, só por jocosidade, tudo o que diga respeito ao Esoterismo.

Não são poucos os sítios eletrônicos que oferecem “serviços” como oráculos. Criaram-se miríades de programas de computador para fazer “consultas” de runas, i-ching, astrologia e coisas que tais, remetendo estudos que deveriam ser sérios a uma parafernália que só faz desacreditar todas as obras que nos trazem os ensinos mais recuados.

Isso faz lembrar. Desde que um Pontífice apontou o Baphomet como a figura do próprio “Diabo”, queimando Jacques de Molay para (tentar) tomar o outro dos Templários, que o pobre bode vem, até hoje, sofrendo bullying como figura demoníaca.

Tanto pior quando a doutrina religiosa se ressente dos efeitos danosos de uma orientação firme de sua cúpula no sentido de priorizar uma simplicidade singelamente tida como virtude para todos, sejam iletrados, sejam eruditos. Isso acontece principalmente nas religiões cristãs hoje em dia.

Deixando de lado a poesia, considerar que a simplicidade deve marcar o ensino para todos, em quaisquer condições, é relegar os buscadores sinceros à renúncia daquela religião e sua doutrina.

No catolicismo em particular, a existência de todo um Sacerdócio estruturado e hierarquizado deveria pressupor a exposição dos Mistérios como nos tempos primevos em que Paulo orientou Timóteo e com ele depositou o dever da tradição.

Não preciso mencionar aqui as conveniências da junção dos interesses de Constantino com um Clero sedento de poder na elaboração do Concílio de Nicéia.

Para quem tenha interesse em conhecer melhor esse importantíssimo aspecto do mundo atual, recomendo uma obra escrita no início do século XX (1902) por Anie Besant: Cristianismo Esotérico.

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